RÁDIO MOÇAMBIQUE

RÁDIO MOÇAMBIQUE
CLICA NA IMAGEM. NOTÍCIAS ACTUAIS DO PAÍS

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Livro Mitos: histórias de espiritualidade de Aldino Muianga é lançado esta quinta-feira


O escritor Aldino Muianga lança esta quinta-feira no Instituto Camões, em Maputo, o seu livro de contos, intitulado “Mitos: histórias de espiritualidade”. A obra é chancelada pela editora Alcance Editores e conta com 14 trabalhos, todos fazendo uma abordagem sobre a espiritualidade.

No prefácio à obra, Ungulani Ba Ka Khosa escreve que, em “Mitos” Aldino Muianga, médico de formação, resolveu trazer ao de cima o confronto entre a racionalidade materializada nos compêndios da medicina de que o autor/narrador é praticante e as fantásticas estórias que remontam da infância, num enredo em crescendo de conflitualidade, de exasperação: A Gina com Jota.

Mais adiante, o prefaciador afirma que ao ler as estórias confeccionadas pelo escritor, com ingredientes que só ele sabe dosear, sentiu-se em casa. “Fui tocado pela curiosidade, pois longe estava eu de pensar na galinha como personagem de referência no mundo efabulatório, na ‘Fala das Galinhas’ e o requinte de malvadez que a ‘Casa das Mambas’ faz emergir? E a triste estória do jovem que transpôs o afamado mundo dos prostíbulos da cidade de Lourenço Marques, em ‘Uma visita ao Prostíbulo?’. E a honra na ‘Dama da Honor?’ E a velha sage Khissane que atraía à sua cabana ‘A cabra do Soba’ com vagens partidas de matsimbe, cujo feijão emite essências que são um chamariz para determinados herbívoros?”.

Realça que, ler estas estórias é ir de encontro aos referenciais que o tempo presente tende a esbater, “mais por nossa própria culpa, pois ao erguermos as nossas balizas não nos preocupamos com o material que compõe os postes dos nossos limites”.

É provável que a ‘Alma Peregrina’ diga respeito a todos nós, desatentos ao mundo aos nossos pés, como a Selane sentenciada a regressar à terra para espiar o castigo pelas minhas faltas, muitos caminhos, atravessei rios e florestas, colhi abrigo na serração dos matos, acoitei-me nas concavidades das rochas, em busca do meu eu verdadeiro, da reconciliação comigo mesma e com os meus defuntos. Sou uma alma penada, uma vagabunda à procura de um caminho para eternidade tranquila.

“Estou em crer que Aldino Muianga, nestas estórias da nossa espiritualidade, mais do que em outras obras suas de valor inquestionável, diga-se, encontrou-se com o seu mundo, não para exorcizá-lo, mas para o trazer à perenidade das letras de modo a que todos o partilhem sem espartilhos de qualquer espécie”, anota.

Os arrabaldes de Lourenço Marques, ontem, Maputo, hoje, são os cenários privilegiados das histórias de Aldino Muianga. O autor é, ao lado de outros notáveis escritores de vivência suburbana, como Marcelo Panguana e Juvenal Bucuane e, mais distante, a roçar o campo, o Suleimane Cassamo, o grande paladino de temáticas da tradição em alteridade, de encontros conflituantes, de um modo ser característico dos subúrbios. Mundo de histórias fantásticas, de enredos maravilhosos, os subúrbios de ontem são os intermináveis filões de estórias do Aldino, os alfobres de que não dispensa o interior da sua casa espiritual, pois a elas se socorre insistentemente, ora carregado de angústias, ora querendo deleitar-se, encantando-nos com as histórias que perduram ao tempo.

O autor do livro diz que, as personagens das estórias desta colectânea são entidades confrontadas com os sobressaltos e com as angústias que a vida lhes impõe. Muitas destas superam as suas capacidades de resposta. O recurso a práticas míticas, à Divindade, é a resposta plausível no universo das suas culturas, porque essas crenças pessoais ajudam-na a entender as dificuldades da vida.

Aquelas personagens, nas suas fragilidades de humanos, possuem crenças pessoais, que são, afinal de contas, os valores que sustentam e que caracterizam os seus estilos de vida e os seus comportamentos.

“As estórias deste livro são, pelo menos procuro que elas assim sejam, a revelação do nosso quotidiano espiritual, em universos onde vivos e defuntos se relacionam e interferem uns com os outros; e também do modo com as crenças pessoais se alicerçam em cada indivíduo e influenciam esse mesmo quotidiano”, diz, sublinhando que ele, colhe a inspiração da prática médica que está cheia de exemplos ilustrativos da ingerência dos valores da Espiritualidade na relação indivíduo (paciente)-profissional de Saúde que muitas vezes determinam o tipo de resposta terapêutica no conjunto de todo o processo clínico.

E cita alguns exemplos que retratam a presença de crenças e de valores da Espiritualidade “…os médicos não conseguem descobrir a minha doença…”, “.. as análises não acusam nada…” “…X é impotente porque a mulher fechou-o numa garrafa…”, “…Y não faz filhos porque casaram-na com um espírito…”, “…não arranjo emprego porque a minha avó deitou-me um feitiço…”, “… não posso ir ao hospital antes de consultar os meus espírito…”.

Estas são ainda correntes de diversas práticas como o uso de amuletos (de pulseiras de missangas ou feitas de tiras de peles de certos animais), as invocações (ku-pahla) aos defuntos para salvaguarda da saúde da fortuna; os esconjuros, o feitiço; o efeito afrodisíaco das tatuagens nas coxas das mulheres, a mastigação de raízes de certas plantas antes de entrevistas para empregos, e outras mais que desconsideramos porque obscurantistas e se não adequam aos modelos de vida da sociedade moderna e civilizada.

As crenças naqueles valores constituem, segundo ele, um suporte que não pode ser subestimado nas relações inter-pessoais e colectivas, visto que são as fundações que asseguram o equilíbrio físico, social e emocional do indivíduo.

“Ignorar a existência, o vigor e o poder da Espiritualidade como a outra dimensão do nosso ser intrínseco e unitário é o mesmo que olhar para o sol e dizer que ele não passa de uma miragem”, diz, concluindo, pois, que “eis aqui oferecidas, estas estórias para leitura e sugestões como pontos de partida para uma reflexão sobre essa problemática tão apaixonante e candente como é a da Espiritualidade”.

Meio século de vida cheio de livros

Aldino Frederico de Oliveira Muianga, de seu nome completo, nasceu a 1 de Maio de 1950, no Bairro da Munhuana (Bairro índigena) nos arredores da cidade de Maputo (ex-Lourenço Marques).

Fez os estudos primários na Escola Missionária de S. Miguel Arcanjo e os secundários no Liceu António Enes, na mesma cidade.

É licenciado em Medicina pela Universidade Eduardo Mondlane e especializado em Cirurgia Geral. É docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Pretória, na África do Sul.

Começou a escrever desde a adolescência, como colaborador no jornal de parede coordenado pela “Mocidade Portuguesa” no liceu que frequentava. Nesse jornal publicou alguns poemas, de uma vasta obra que se perdeu na totalidade.

A sua primeira publicação oficial foi o conto “A Vingança de Macandza”, no semanário Tempo, em 1986. Tem contos seus incluídos em antologias publicadas em Portugal e no Brasil, e em várias páginas e revistas literárias em Moçambique e no estrangeiro. Foi coordenador da página literária da revista SAPES editada no Zimbabwe, onde publicou ensaios sobre a Literatura Lusófona dos países africanos.

Foi colaborador de primeira linha da revista Charrua, editada pela Associação dos Escritores Moçambicanos.

Ao longo da sua carreira publicou os seguintes livros: “Xitala-Mati” (contos 1987, segunda edição 2007); “Magustana” (novela 1992), “A Noiva de Kebera” (contos 1994, encenação do conto do mesmo nome pela Companhia Nacional de Canto e Dança); “A Rosa Xintimana” (romance 2001, Prémio Literário TDM); “O Domador de Burros” (contos 2003, 2ª edição e Prémio Literário Da Vinci); “Meledina ou a Estória duma Prostituta” (romance 2004, 2ª edição 2009), “A Metamorfose” (contos 2005); “Contos Rústicos” (contos 2007); “Contravenção, uma História de Amor em Tempo de Guerra” (romance 2008), Prémio Literário José Craveirinha 2009, e “Caderno de Memórias, Vol.I” (contos 2010).

In Caderno Cultural (Notícias)

Sem comentários: