Não foi um negro que foi eleito. Foi um americano, que tem a circunstância de ser negro, que foi eleito Presidente. Obama fez com que os seus compatriotas se convencessem de que a raça não é importante Entre a multidão de Chicago que, nos jardins vizinhos ao lago Michigan, celebrava a América, na madrugada passada, as câmaras de televisão detiveram-se na cara de um senhor negro e famoso que chorava. Era o reverendo Jesse Jackson. Ele é filho dos anos 60 que garantiram os direitos cívicos para os negros. "Rosa Parks sentou-se para que Luther King pudesse marchar, que marchou para que Obama pudesse voar", foi uma frase muito dita por estes dias, definindo as etapas encetadas pela senhora negra de Montgomery, Alabama, sentando-se num banco de autocarro só para brancos, e que chegaram agora à celebração do primeiro Presidente americano negro. Jackson chorava de alegria por esse sobressalto que permitia que na vida de um só homem se pudesse ter visto tanto.
Mas o reverendo podia também chorar por ter sido ultrapassado pela História. Ele, que também concorreu para a nomeação democrata nas primárias de 1984 e 1988, e não foi longe, reconhecia que o homem daquela madrugada, Barack Obama, era de outro campeonato, o dos vencedores, e não só o dos predicadores. Jackson notabilizou--se nas campanhas pelos direitos cívicos, integrou organizações negras, lançou a sua candidatura em igreja negra - ele era filho de uma geração em que os passos eram esses. Mas colar-se a uma minoria (os negros são 12,8% da população dos EUA) não pode ser táctica ganhadora numa corrida eleitoral. Ainda ontem, um jovem político negro, que pretende agora concorrer ao lugar de senador pelo Ilinóis, deixado em aberto por Obama ir para a Casa Branca, definiu assim o novo Presidente: "Ele não é um afro-americano que foi eleito, ele é um americano, que tem a circunstância de ser afro-americano, que foi eleito." Curiosamente, o jovem chama-se Jesse Jackson Jr. e é filho do reverendo que chorava.
Há semanas, em Nova Iorque, num jantar público que fez com John McCain e em que era suposto os discursos usarem o humor, Obama riu--se de si próprio: "Quem me baptizou Barack Hussein estava a torpedear-me a carreira política..." Estava e não estava. Mestiço e com tais nomes muçulmanos, ele poderia assumir a condição minoritária ou, pior, adoptar a condição muito comum nos afro- -americanos de não singrar na vida porque a História cometeu contra eles o pecado mortal da escravatura. O queixume como modo de vida deu cabo de muita carreira num país que reconhece como das virtudes maiores o saber lutar contra o destino. Mas Obama não foi por aí. A provocação dos seus nomes, Barack Hussein, como que serviu de aguilhão para não se desculpar.
Deitando fora o colete-de-forças que pretendia fazê-lo só um afro-americano, Obama descobriu-se, afinal, um legítimo filho da América moderna. Pai queniano e mãe branca do Kansas, e nascido no Havai, de tão diversificado, bebia na corrente de fundo que faz a América de hoje - ele é muito mais comum que, por exemplo, um mórmon como Mitt Romney, que esteve para ser o candidato republicano.
É verdade que Obama teve 95% dos votos negros. Mas teve também mais votos brancos que o precedente candidato democrata John Kerry (2004). Nas sondagens à boca das urnas, nove em dez votantes disseram que a raça não tinha sido importante nestas eleições. O facto dado como adquirido, os hispânicos não gostam de políticos negros, virou mito: Obama ganhou mais de metade dos votos hispânicos.
Essa situação de facto e a vontade ideológica de assumir a tradição americana fizeram a força de fundo, aliada ao talento natural (tornem a ouvir o discurso da madrugada de ontem e reconheçam esse talento). Quando lançou a sua candidatura, Obama escolheu as escadarias do Capitólio de Springfield, Ilinóis, a casa de Abraham Lincoln. E no discurso de ontem, a figura invocada foi de novo Lincoln.
Barack Obama é um conservador que rega as tradições americanas. Se não quiserem enganar-se, vejam nele o essencial: Barack Hussein Obama, um homem da América.
Mas o reverendo podia também chorar por ter sido ultrapassado pela História. Ele, que também concorreu para a nomeação democrata nas primárias de 1984 e 1988, e não foi longe, reconhecia que o homem daquela madrugada, Barack Obama, era de outro campeonato, o dos vencedores, e não só o dos predicadores. Jackson notabilizou--se nas campanhas pelos direitos cívicos, integrou organizações negras, lançou a sua candidatura em igreja negra - ele era filho de uma geração em que os passos eram esses. Mas colar-se a uma minoria (os negros são 12,8% da população dos EUA) não pode ser táctica ganhadora numa corrida eleitoral. Ainda ontem, um jovem político negro, que pretende agora concorrer ao lugar de senador pelo Ilinóis, deixado em aberto por Obama ir para a Casa Branca, definiu assim o novo Presidente: "Ele não é um afro-americano que foi eleito, ele é um americano, que tem a circunstância de ser afro-americano, que foi eleito." Curiosamente, o jovem chama-se Jesse Jackson Jr. e é filho do reverendo que chorava.
Há semanas, em Nova Iorque, num jantar público que fez com John McCain e em que era suposto os discursos usarem o humor, Obama riu--se de si próprio: "Quem me baptizou Barack Hussein estava a torpedear-me a carreira política..." Estava e não estava. Mestiço e com tais nomes muçulmanos, ele poderia assumir a condição minoritária ou, pior, adoptar a condição muito comum nos afro- -americanos de não singrar na vida porque a História cometeu contra eles o pecado mortal da escravatura. O queixume como modo de vida deu cabo de muita carreira num país que reconhece como das virtudes maiores o saber lutar contra o destino. Mas Obama não foi por aí. A provocação dos seus nomes, Barack Hussein, como que serviu de aguilhão para não se desculpar.
Deitando fora o colete-de-forças que pretendia fazê-lo só um afro-americano, Obama descobriu-se, afinal, um legítimo filho da América moderna. Pai queniano e mãe branca do Kansas, e nascido no Havai, de tão diversificado, bebia na corrente de fundo que faz a América de hoje - ele é muito mais comum que, por exemplo, um mórmon como Mitt Romney, que esteve para ser o candidato republicano.
É verdade que Obama teve 95% dos votos negros. Mas teve também mais votos brancos que o precedente candidato democrata John Kerry (2004). Nas sondagens à boca das urnas, nove em dez votantes disseram que a raça não tinha sido importante nestas eleições. O facto dado como adquirido, os hispânicos não gostam de políticos negros, virou mito: Obama ganhou mais de metade dos votos hispânicos.
Essa situação de facto e a vontade ideológica de assumir a tradição americana fizeram a força de fundo, aliada ao talento natural (tornem a ouvir o discurso da madrugada de ontem e reconheçam esse talento). Quando lançou a sua candidatura, Obama escolheu as escadarias do Capitólio de Springfield, Ilinóis, a casa de Abraham Lincoln. E no discurso de ontem, a figura invocada foi de novo Lincoln.
Barack Obama é um conservador que rega as tradições americanas. Se não quiserem enganar-se, vejam nele o essencial: Barack Hussein Obama, um homem da América.
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