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terça-feira, 4 de novembro de 2008

A América prepara-se para fazer história

Em tese, o republicano John McCain ainda poderá vencer a eleição presidencial desta terça-feira nos Estados Unidos. Mas, se isso acontecer, será uma surpresa de proporções ainda maiores do que a irrupção vertiginosa na cena americana - e mundial - de Barack Hussein Obama. Há apenas um ano, ninguém teria motivos para supor que esse senador mestiço de primeiro mandato, nome esquisito e biografia inusual, com ar juvenil aos 46 anos, seria capaz de ganhar de uma figura do gabarito da senadora Hillary Rodham Clinton a candidatura do Partido Democrata à sucessão de George W. Bush. E, quando o que parecia impossível se consumou, no começo de junho passado, não faltou quem previsse, recorrendo à ironia, que em 4 de novembro os democratas iriam arrancar a derrota das garras da vitória.


Os americanos, dizia-se, por propensos que estivessem a remover os republicanos de Washington, exauridos por um dos piores governos da sua história, relutariam muito mais em alojar pela primeira vez um negro (inexperiente) na Casa Branca do que uma mulher (que a conheceu por dentro durante os oito anos da presidência do seu marido). Isso sem falar que, do outro lado, estaria um herói de guerra, há duas décadas no Congresso e com um currículo de posições divergentes da ortodoxia do seu partido, graças ao que ele poderia se apresentar ao eleitorado centrista como um reformador, sem parentesco perceptível com o presidente que chega ao fim do seu mandato afundado na impopularidade. Mas, definidas as candidaturas e desencadeada a competição, McCain foi-se revelando menor do que os democratas temiam, enquanto a empolgação com Obama, sempre crescente, superava as mais pessimistas expectativas republicanas. E aí Wall Street veio abaixo.


O outrora esclarecido senador pelo Arizona rendeu-se de corpo e alma ao que de mais reacionário medra na seara do seu partido. A direita republicana exultou quando ele escolheu para companheira de chapa a atraente, despachada - e tosca - Sarah Palin, a governadora do Alasca, que celebra os valores e atitudes da América Profunda, radicada ao longo do cinturão religioso do país, distante das concentrações cosmopolitas da Costa Leste e da Oeste. A partir de então, a campanha de McCain - dirigida pela gente de Karl Rove, o feroz marqueteiro de Bush desde os tempos do Texas - fez da agressão a sua peça de resistência. Nos comerciais para a TV e nos palanques de Palin, Obama tornou-se algo mais ameaçador do que o elitista despreparado que não é propriamente "um de nós", como vinha sendo estigmatizado.


O democrata virou o bom amigo de um ex-terrorista americano dos anos 1960 e de um intelectual palestino falsamente dado como radical. Mais: a sua proposta de usar os impostos para "espalhar a riqueza" denunciaria o seu socialismo. (Obama disse que só falta que o acusem de socialista porque, em criança, emprestava os seus brinquedos.) No entanto, seja pela virulência, seja pelo medo de um eventual governo Palin - McCain tem 72 anos e um histórico médico mal conhecido -, seja ainda pela sua gagueira diante da crise econômica, contrastando com o sangue-frio de Obama, eleitores republicanos moderados passaram a trocar de lado, a ponto de pôr em xeque a relação tradicional de forças nos Estados "vermelhos" (os democratas são "azuis"). Na recta final da disputa, McCain lutava em meia dúzia de Estados cruciais onde Bush venceu em 2004.


Também ali, os eleitores de primeira viagem, jovens em geral, preferem Obama por ampla maioria. Electrizados pela sua figura e a sua mensagem de mudança, formaram a espinha dorsal da campanha democrata em todo o país, movendo a sua formidável máquina de arrecadação de fundos via internet. Fez diferença. Pelas projecções do New York Times, no colégio eleitoral de 583 delegados estaduais que decidem os pleitos presidenciais nos EUA, o democrata tinha no fim da semana 196 votos firmes e outros 90 possíveis; o republicano, 140 e 23, respectivamente. Os votos incertos somam 89. (São necessários 270 para vencer.) A menos que as urnas desmintam as pesquisas - ou porque parcela do eleitorado escondia o seu racismo dos pesquisadores ou porque nem todos os obamistas foram votar -, a chance de uma reviravolta pró-McCain é negligível. A América prepara-se para fazer história.

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