Janis Joplina, morreria um ano depois
A Feira de Música & Arte Woodstock faz 40 anos neste sábado. A 15 de agosto de 1969, na pequena fazenda de 2,4 quilômetros quadrados de Max Yasgur, na localidade rural de Bethel, Nova York, a grande mostra da Era de Aquarius exibiu ao mundo a sua face libertária, provocadora, iconoclasta, naturalista, enlameada e confusa.
A utopia hippie, ao tornar-se quarentona juntamente com Woodstock, celebra o seu renascimento circular. Durante as décadas de 80 e 90, o "bicho-grilismo" encenado pelos hippies de Woodstock era uma coisa a se evitar. Nos anos 00, virou o estilo e a meta a ser perseguida. Hoje em dia, olhando algumas bandas de rock como Magic Numbers e Kings of Leon, com as suas barbinhas e batinhas e roupinhas sujinhas, parece que não se passou nem um dia sequer.
Parece insano discutir hoje o mérito musical de Woodstock, quando na verdade o festival detonou principalmente uma revolução comportamental. Mas o facto é que algumas performances foram muito mais importantes do que outras - a Sony Music relançou esta semana no Brasil as performances integrais de Janis Joplin, Johnny Winter, Santana, Jefferson Airplane e Sly and the Family Stone. É material essencial para entender o que se passou do ponto de vista artístico naquele marco dos anos 60.
O cantor, violonista, guitarrista e compositor Richie Havens abriu o festival por conta da própria natureza improvisada da festa. Ele lembra que não estava escalado para ser o primeiro a subir naquele palco (seria o quinto, na verdade), mas foi içado pela organização para cantar porque os outros que cantariam estavam presos no imenso congestionamento que se formou na estrada - esperavam 70 mil pessoas, apareceram 400 mil, o que levou o município a pensar em decretar estado de calamidade pública.
"Eram 5 da tarde e nada ainda estava a acontecer", contou Havens anteontem. "Mas eles tiveram de me colocar em primeiro. Eu me senti tipo “eles vão me matar se eu subir ao palco primeiro, dá um tempo, preciso daquelas quatro atrações antes de mim para esquentar a platéia”. "Mas não teve jeito. As pessoas foram bacanas. Eu deveria cantar por 40 minutos, o que fiz, mas ali do lado do palco eles diziam: “Richie, mais quatro canções?” Eu cantava e já ia sair e eles diziam: “Richie, mais quatro canções?” E eu continuei tocando por duas horas e 45 minutos, depois que já tinha cantado todas as canções que sabiam.” Entre essas canções, estava Freedom, que foi apresentada no documentário de 1970 sobre o festival, ganhador de um Oscar.
Havens, que está actualmente em digressão a promover o seu disco de 2008, Nobody Left to Crown, disse o seguinte esta semana, falando à Reuters: “Todos os tipos de música subiram ao palco naqueles três dias, e todos eles tinham o senso do que era necessário - e do que ainda é necessário em termos de informação para atravessar as barreiras e continuar em frente.”
De facto, a música era diversificada, com uma predominância do blues, rock e do folk, que eram os gêneros "jovens" da época. Mas houve também a novidade, começando com a fabulosa apresentação de um jovem guitarrista mexicano da Bay Area, Carlos Santana, que ganhou apenas US$ 1,5 mil para tocar e se apresentou no dia 16. As 8 músicas que Santana tocou estavam impregnadas de um latin rock fundido com blues, uma força instrumental turbinada por congas, bateria, baixo e percussão.
Quarenta anos depois, ainda é difícil entender o poder daquela versão que Santana apresentou de Soul Sacrifice. Ao contrário de Hendrix, a outra força motriz do festival, Santana esmerava-se na busca de um acento latino, polirítmico, específico e étnico para a sua guitarra. Filho de um músico mariachi de Navarro, no México, o guitarrista inventava um novo léxico.
Outra notável performance foi a do fantástico grupo de Black Music Sly &; The Family Stone, que tocou 9 canções na jornada. Formado por Sylvester “Sly Stone” Stewart e os seus brothers Vaetta, Freddie e Rose Stone, mais Gregg Errico (bateria), Jerry Martini (sax), Cynthia Robinson (trompete e vocais), Larry Graham (baixo), o grupo tinha lançado em maio daquele ano o disco Stand!, a mais bem acabada síntese de funk, soul, gospel, psicodelia e rock - e ativismo, com faixas como Don’t Call me Nigger, Whitey.
Janis Joplin, que morreria de forma trágica no dia 4 de outubro de 1970, estava a desvencilhar-se da sua banda Big Brother and The Holding Company e a iniciar a mais curta (e impactante) carreira-solo do rock internacional.
Dois anos antes, ela cantava folk e blues em bares de São Francisco e Venice Beach, na Califórnia. Em 1966, voltou a Austin para cantar numa banda de country, mas um empresário a convenceu a montar uma banda. Assim, juntou-se à mitológica Big Brother and the Holding Company, que tinha recém-abandonado nas vésperas de Woodstock.
Janis cantou 10 músicas no festival, no dia 17 de agosto de 1969. Quando ela empunhou Ball and Chain, de Big Mama Thornton, encerrando o seu show, estava patente que ali não se apresentava uma artista comum, mas alguém destinada a reescrever a história da música popular, embora de forma tão precária.
Do mundo psicodélico, houve uma baixa importante - o Greateful Dead teve a sua apresentação maculada por problemas técnicos. Mas o Jefferson Airplane fez bem a sua parte, misturando peças viajandonas conhecidas, como White Rabbitt, com outras do disco que lançariam em seguida, como Volunteers, Eskimo Blue Day e Wooden Ships.
Um ano depois daquela loucura, banhos pelados debaixo da chuva, balés e meditação para Sol e Lua no mato, Jimi Hendrix morreria em Londres. Woodstock teve outras edições, como a violenta farra de 1999. Na época, o baixista do Red Hot Chili Peppers, Flea, disse que chorou ao ter notícia, ainda nos bastidores, da ocorrências de abuso sexual e violência generalizada entre o público. Durante os momentos de mosh do show do Limp Bizkit, houve uma sessão de quebradeira e saques promovida por uma juventude vitaminada, cheia de sucrilhos e de classe média. Os tempos mudaram, definitivamente.
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